No início de agosto, vi essa foto no
Real Climate que me deixou perturbada:
(Foto originalmente pertencente à Universidade do Illinois.)Em rosa, vemos o chamado "
valor mínimo de extensão do Ártico". Explico melhor. Todo ano, os polos derretem um pouco no verão e recongelam durante o inverno. Ou seja, há um equilíbrio de gelo nessas regiões, mas é um equilíbrio dinâmico, que gera gráficos em ziguezague, onde o importante são as
tendências para onde os gráficos vão com o passar do tempo (pra cima, pra baixo ou estáveis). Em geral, a primeira quinzena de setembro é quando a quantidade de gelo no Ártico chega ao menor nível, todo ano. Isso acontece porque esse período marca o fim do verão no hemisfério norte, ou seja, o fim da época quente que favorece o derretimento das calotas. É claro, há séculos esse ciclo derrete-congela acontece, e o valor mínimo de extensão não varia abruptamente. Ou seja, o gráfico tem se mostrado estável, na maior parte do tempo histórico.
É quando a figura aí em cima se torna perturbadora. Ela mostra que no início de agosto desse ano, a área de derretimento já era de 1.2 milhões de km2, e pior, mostrava que comparado aos dados de setembro de 79, a área derretida aumentou muito mais que o normal. E ainda faltava chegar no mês de setembro, quando o verão efetivamente terminaria.
Eis que setembro chegou, e os dados foram ficando cada vez mais assustadores. Até que em outubro, finalmente se chegou à triste conclusão de que 2007 foi um ano histórico pro clima mundial:
nunca o Ártico derretera tanto num verão, desde que se começou a medir tal valor. (O NYTimes fez uma
reportagem clara sobre o fato, e acompanhou-a com uma
animação em flash que mostra esse derretimento nos últimos 4 anos. A animação, assim como a foto acima, é também impressionante.)
Devido a esse derretimento todo, 2007 foi o ano em que pela primeira vez na história recente da humanidade, a passagem noroeste do pólo, um atalho que liga a Europa a Ásia e antes era impossível de ser ultrapassado devido ao gelo, ficou
navegável. Essa mera abertura de navegação muito antes de se tornar motivo de preocupação ambiental, se tornou disputa político-econômica para Rússia, Dinamarca e Canadá, que agora trocam farpas sobre quem é o dono dos recursos minerais no subsolo da área, analisando cadeias montanhosas submarinas e afins. A Rússia chegou ao ponto de
plantar uma bandeira a 4 km de profundidade, clamando que o Ártico é deles. O Canadá iniciou então uma operação de
"soberania". Depois pensa-se o que fazer com flora, fauna e habitantes da região, é claro.
Mas não é só a extensão de gelo do Ártico que vem diminuindo. Nos últimos 6 anos, a taxa de diminuição da camada de gelo do solo na região foi de
50%, ou seja, a espessura do gelo também diminuiu muito. Nesse ritmo alucinado de derretimento, já há previsões científicas de que o
Ártico desaparecerá por completo em 23 anos; ou seja, em tempo geológico, amanhã.
A geografia da região vem se alterando drasticamente, e
ilhas na Groenlândia vêm surgindo onde antes apenas gelo predominava. Algumas espécies animais já vêm sofrendo as consequências desse derretimento acelerado.
Morsas, por exemplo, foram se alimentar nas praias do Alaska, já que seu hábitat natural de verão desapareceu. De acordo com um artigo recente do famoso pesquisador de clima da NASA
Jim Hansen (link em pdf), o aumento de temperatura global está chegando num
"tipping point", ou seja naquele ponto "x" em que não adiantará fazer muito mais para reverter o quadro do paciente, e grandes mudanças acontecerão inevitavelmente. Ficaremos sem Ártico no verão.
E o que isso implicará? A resposta mais honesta é: não se sabe. Já há registros de
aumento de terremotos na Groenlândia, mas seriam eles apenas reflexos do processo de derretimento? Há previsões sobre o aumento do nível dos mares globais que deixariam países-atóis do Pacífico debaixo d'água - e a maioria deles vem tentando fazer acordos de realocação com países próximos, como Austrália e Nova Zelândia, a fim de se preparar para quando o mar invadir. Existem outras hipóteses do que pode acontecer ao planeta, mas o nível de incerteza ainda é elevado para se afirmar qualquer coisa.
O único fato é: o planeta vai mudar. Ou talvez antropocentricamente pensando, tentar
se defender à forma dele, das agressões que vem sofrendo. E nossa atitude vai ter que mudar também nesse mundo novo, sem gelo no pólo norte e mais propenso a catástrofes climáticas gerais. É preciso antes de tudo investir em tecnologias que possam amenizar a mudança drástica, principalmente aquelas relacionadas a alternativas energéticas pro processo de existência humano. Diminuir gases que colaboram com o aumento da temperatura atmosférica. Reformular todo o sistema de pensar das pessoas, como bem disse o mais recente
prêmio Nobel da Paz Al Gore, em
entrevista na Rolling Stone (
link via Pedro Doria).
Só assim o derretimento do Ártico não se tornará um
horizonte negro para nossa existência na Terra.
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*Esse post faz parte da comemoração do Blog Action Day 2007, cujo tema escolhido é Meio Ambiente. Blogs do mundo inteiro estão falando sobre o tema no dia de hoje, na tentativa de fazer com que as pessoas discutam meio ambiente para um melhor futuro. Visite, comente, participe. Assim o dia terá feito (um pouquinho que seja...) a diferença merecida. :)